Guru dos servidores: reforma administrativa ''demoniza' categoria
Metrópoles
A reforma administrativa marcará uma verdadeira batalha entre o funcionalismo público e o governo federal. Os servidores arquitetam uma estratégia para embarreirar o projeto do poder público, que prevê, entre outras coisas, o fim da estabilidade para futuros funcionários. Um dos pensamentos que mais influenciam o grupo de funcionários estatais parte do economista Eduardo Moreira (foto em destaque).
Eleito pela revista especializada Investidor Institucional um dos três economistas mais importantes do país em 2016, ele é palestrante, autor de best-sellers, ex-sócio do Banco Pactual e goza de influência no mercado financeiro há duas décadas. Hoje ele é uma das “cabeças pensantes” do movimento contra a reforma. O assunto deve se tornar uma das principais pautas do Congresso nos próximos meses.
Eduardo esteve em Brasília na última semana para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. Durante a passagem pela capital federal – ele vive em São Paulo – o economista conversou com o Metrópoles.
Para ele, a reforma administrativa desenhada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é parte do que chamou de “armadilha” contra os mais pobres, algo que, na sua avaliação, começou com o teto de gastos, a Emenda Constitucional 95. O dispositivo é válido por 20 anos e impede aumento nos gastos acima da inflação.
“Isso foi uma armadilha muito bem pensada, na qual as coisas têm uma ordem para acontecer. Você não faz primeiro a Emenda 95 à toa. O que fazer primeiro: limitar a capacidade do Estado de gastar”, critica.
Para ele, o governo, em vez de penalizar o servidor público, deveria reduzir gastos com pagamento de juros da dívida pública. “Não tem lugar nenhum na Constituição que diz que os juros da dívida são mais importantes que outros gastos”, avalia.
O especialista traça uma linha do tempo que, segundo ele, revela a estratégia do governo para beneficiar a iniciativa privada e grandes empresários. “Está tudo amarrado. É um plano com começo, meio e fim. Só não vê quem não quer. E quando as pessoas resolverem ver, já vai ser tarde demais”, pondera.
Ele explica o raciocínio. “A Emenda 95 [teto de gastos] travou a capacidade de investir. O Brasil ficou de joelhos diante da iniciativa privada. Por sua vez, o mercado falou: ‘Vamos investir, se fizer a reforma trabalhista. Fazer a mão de obra ficar mais barata’. O governo vai lá e faz a reforma trabalhista”, inicia.
Logo depois, entra em foco a reforma da Previdência – que deve ser votada em segundo turno no Senado na próxima semana. “Isso faz também a mão de obra ficar mais barata. Por quê? Ninguém consegue mais se aposentar, todos teremos que trabalhar até o fim da vida, é mais oferta. Com mais oferta, o preço diminui”, prossegue.
Mesmo com as alterações feitas pelo Congresso, ele descarta o principal argumento do governo, de que as mudanças vão gerar empregos e atrair investimentos. “A iniciativa privada vai investir? Não vai. Desde a primeira reforma, não se gerou emprego nenhum. Vamos fazer agora a reforma administrativa, o Estado mínimo. O que isso significa? O dinheiro não passa mais na mão do Estado, vai direto para a iniciativa privada. Vai investir? Não vai”, insiste.
Moreira questiona também a reforma tributária, cujo projeto, assim como o da reforma administrativa, ainda não foi apresentado. “Aí a solução passa a ser a reforma tributária. Que não vai mexer em nada na progressividade”, preconiza.
Corte de gastos, benesses e privilégios
Mesmo sendo um defensor dos servidores públicos, Eduardo defende o corte de gastos, benesses e privilégios. “Sempre devemos buscar uma maior efetividade, uma maior produtividade, e não só no serviço público. Medidas que tragam maior produtividade, solidez e qualidade dos serviços são sempre bem-vindas”, destaca.
Para ele, é preciso uma campanha de conscientização social da população para desmistificar a atuação do servidor público. “A demonização é completamente despropositada. O primeiro motivo é que as pessoas falam como se o dinheiro que foi para o servidor público tivesse sido queimado, acabou, está debaixo da terra, e não é”, defende.
O especialista volta a usar como exemplo o pagamento dos juros da dívida e a Emenda 95. “Esse dinheiro volta para o mercado depois. Eles vão ao mercado, cortam o cabelo, vão à lojinha. Enquanto os juros para as pessoas que detêm a maior parte da dívida pública brasileira são pagos e depois voltam aplicados na poupança deles no banco”, conclui.
Ele emenda. “Esse dinheiro não some nem aparece. Ele sai de um lugar e vai para outro. Vai para onde a [Emenda] 95 decidiu. Durante 20 anos, tudo que tivermos de sobra vai para o pagamento dos juros da dívida. É como se fosse um pote, e o espaço vazio é o que tem para investimento. As despesas já vão crescendo num ritmo que é acima da inflação. Faça reforma ou não. O gasto com investimento já está limitado”, acrescenta.
Eduardo conclui com uma reflexão. “As 200 pessoas mais ricas do Brasil ganharam no ano passado R$ 230 bilhões. Os servidores (12 milhões de pessoas) representam quase 60 mil vezes mais pessoas e ganham três vezes mais. Quem são os vilões? São os enfermeiros, delegados, professores que ganham R$ 2 mil e trabalham onde a mortalidade é mais alta que nos lugares mais perigosos do mundo? São esses?”, encerra.
O Metrópoles entrou em contato com o Ministério da Economia. Em nota, a pasta informou que não comentará as declarações de Eduardo Moreira. O espaço continua aberto a manifestações.